quinta-feira, 26 de março de 2009

Camafeu de Oxossi, o personagem vivo de Jorge Amado


Jorge, o Amado, em seu livro “Bahia de todos os santos: guia das ruas e mistérios da cidade do Salvador”, assim definiu Camafeu de Oxossi:

“Camafeu de Oxossi, Obá de Xangô, solista de berimbau de capoeira e proprietário da Barraca São Jorge, aberto em riso, cercado de objetos rituais, de obis e orobôs, ensina mistérios da Bahia às loiras turistas de São Paulo ou Nova Iorque. A cortesia é grande, o saber maior, o preço barato. Se lhe pedirem, ele tomará do berimbau e tocará... No Mercado, em meio a seus orixás, aos colares e às figas, queimando o incenso purificador, rindo sua gargalhada, saudando São Jorge, Oxossi, rei de Ketu, o grande caçador, Camafeu comanda a música, o canto e a dança. Um baiano dos mais autênticos, um dos guardiões da cultura popular.”


Ao jornalista da revista FatoseFotos Gente, em 1976, diria o escritor: 

“Camafeu é a Bahia. Assim, se escrevo sobre a Bahia, ele tem de estar presente. Isso sem falar que somos irmãos de santo, que é como se fôssemos irmãos de sangue. Ele é Camafeu de Oxossi, e eu também sou de Oxossi. Em meus livros, ele aparece sempre como Camafeu, porque Ápio Patrocínio da Conceição não existe, é um apelido que puseram nele quando nasceu”.

Ápio Patrocínio da Conceição, amigo de Jorge, mestre (Obá) do Axé Opô Afonjá.

Camafeu aparece em vários romance de Jorge, o Amado, entre eles “O Sumiço da Santa”, “Os Pastores da Noite”, “Dona Flor”.

1º de agosto de 1969. O fogo crepita e é visto ao longe, queima o antigo Mercado Modelo, em Salvador. Camafeu enche a cara. Canta e dança diante das chamas. Perdeu tudo, como vários outros barraqueiros. Mas era assim que reagia. Cantar e dançar eram o jeito de sua gente reagir e ele era como os do seu povo.
Jorge, o Amado, procurou-o no dia seguinte: “Está muito chateado, meu irmão?” “Tem problema não, Jorge”, respondeu Camafeu.
Tinha problema, lógico que tinha. Jorge insistiu, adiou uma viagem para a Europa. Entregou ao amigo, assinada por ele e Caribé, uma promissória. Camafeu levantou um empréstimo bancário: 5 mil cruzeiros. Devia 3 mil, pagou. Comprou mercadorias e começou tudo de novo. “Era mais um início para um homem de muitos inícios. O primeiro, no dia que nasceu, há 94 anos, na Rua do Gravatá, e, o segundo, no Pelourinho, onde se criou.”
Seus bisavós e sua tia – Mãe Aninha –, africanos de nascimento. Mãe Aninha foi uma das primeiras mães de santo do Axé Opô Afonjá.
Não fez o primário. Estudou foi na “Escola de Aprendiz de Artífice”, trabalhando na fundição. Mas era difícil estudar, foi cuidar de outra vida. Aprendeu a ler com o tempo: “Aliás, arranjo, que não vou dizer que não sei ler”, dizia ele.
Perdeu o pai aos seis anos. E, Ápio, foi trabalhar para ajudar a mãe, Maria Firmina da Conceição.
Firmina da Conceição tinha um tabuleiro de acarajé. Ápio ia apanhar as frutas na roça e ajudava a fazer as cocadas e a vendê-las. Mas não gostava de trabalhar para os outros. Contava: “Uma vez, estava na pior e fui lavar pratos no restaurante de um espanhol. Tinha coisa de uns 18 anos. Não fiquei nem um mês. Não agüentei as implicâncias do galego”.
O menino não parava. Vendeu gilete, cadarço de sapato e pedra de isqueiro na Baixada do Sapateiro. Vendeu jornais de modinha. “Eu ia para as feiras de Água de Menino, Dois de Julho e Sete Portas com as modinhas nas mãos, fazia samba de improviso e formava a roda. Depois, fiquei uns tempos vendendo pão dormido, com um balaio na cabeça”.

Ouça uma das composições de Camafeu, em sua própria gravação, acompanhado por seu conjunto de Berimbau e Coro:


1945. Conseguiu sua primeira barraca no Mercado Modelo. “Mas eu brincava muito, fazia muita farra, e o negócio pifou novamente. Aí eu tive de vender a barraca. Fiquei parado uns tempos, não queria trabalhar pra ninguém, até que consegui voltar ao Mercado. O administrador permitiu que eu colocasse umas tábuas num lugar onde tinha um chafariz, e ali eu vendia roupas e sapatos usados. De noite, levava tudo pra casa num saco. Com isso, fui arranjando dinheiro e comprei as barracas 17 e 18, e, depois, a 15 e a 16”.
Instalado novamente, resolveu diversificar, passou a negociar com material de candomblé: contas, colares, pós e outras mercadorias. 
1969... Seu trabalho subia na fumaça.
Novo Mercado Modelo. Camafeu tem um restaurante e a Barraca São Jorge. Na inauguração, Jorge, o Amado, escreveu: 


“Camafeu me conta que vai ser dono de restaurante... estará agora, com seu berimbau e sua picardia, seu riso largo e sua voz molhada, em meio à riqueza e à cor da comida baiana, servindo vatapá e alegria. Ao lado da esposa Toninha, de fala mansa, de face terna e firme vontade, lá se vai Camafeu pelos caminhos da Bahia. Invencível com seu santo guerreiro. Vir à Bahia e não ver Camafeu é perder o melhor da viagem. Ele é um Obá, um chefe, um mestre. A barraca de Camafeu é ponto de reunião, é mesa de debates, é conservatório de música. Na cidade de Salvador a cultura nasce, se forma e se afirma em bem estranhos lugares, como, por exemplo, uma barraca de mercado.”
E Amado, ainda o Jorge, explica porque a Bahia é assim:

”A Bahia é uma cidade que tem uma civilização única, original, da qual nasce a civilização brasileira. Porque nós temos uma civilização popular. Somos uma cidade onde tudo nasce do povo, e é por isso que nem turismo, nem nada disso, consegue degradá-la, porque toda a sua força provém da cultura popular. Existem aqui algumas figuras que são realmente grandes e poderosas nesta vida popular baiana: Mãe Menininha do Gantois, Olga do Alaketu e Camafeu de Oxossi.”

Camafeu... Pedra semipreciosa. Duas camadas de cores diferentes, numa delas, em relevo, talhada a figura. Excelente tocador de berimbau, compositor, um LP gravado. Exímio capoeirista: “Briguei um bocadinho, pra me defender, porque a parada era dura, irmão. Mas nunca tive cadeia nem morte”.
Com seu sempre companheiro chapéu panamá, explica a origem de seu nome: “Surgiu assim. Há muitos anos, eu estava jogando castanha com um cara no Pelourinho. Estava passando um filme no cinema Olympia e o artista, um cara de muita sorte, se chamava Camafeu. Aí, no jogo, eu limpei o parceiro, ganhei tudo. Ele, que tinha visto o filme e não sabia o meu nome, disse: ‘Esse cara ta parecendo o Camafeu.’” Nascia a lenda!


19 livros de Jorge Amado para download (clique na caixa ao lado esquerdo)Cacau; Capitães de areia; O Cavaleiro da esperança; Dona Flor e seus dois maridos; Gabriela, Cravo e Canela; Farda, fardão, camisola de dormir; Jubibá; Mar morto; A morte e a morte de Quincas Berro D’Água; Navegação de Cabotagem; O país do carnaval; Seara vermelha; Os subterrâneos da liberdade (3 volumes); Suor; Tenda dos milagres; Terras do sem fim; Tereza Batista cansada de guerra; Tieta do agreste; Tocaia Grande.


Fonte:
REVISTA FATOSeFOTOS GENTE. Camafeu de Oxossi, o homem que virou lenda baiana, com muita alegria, berimbau, capoeira e comida gostosa. Livre Adaptação. Brasília, a.XV, n.750, 5/1/1976, 26-27p.

1 comentários:

Pedro disse...

Margareth , sempre pedi aos meus que não tentassem entender a Bahia . A Bahia não é para ser entendida e sim compreendida.A explicação vem da razão e a compreensão do coração... a Bahia é inexplicável .
O Jorge Amado confirma isso:

(..)”A Bahia é uma cidade que tem uma civilização única, original, da qual nasce a civilização brasileira. Porque nós temos uma civilização popular. Somos uma cidade onde tudo nasce do povo, e é por isso que nem turismo, nem nada disso, consegue degradá-la, porque toda a sua força provém da cultura popular.(..)"
Margareth , sempre disse aos meus que a Bahia era algo inexplicável

Gostei muito do seu post.
Pedro

 

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